Fica difícil dizer alguma coisa num momento como estão passando as famílias das vítimas da escola de Realengo no Rio de Janeiro. A dor é indescritível, intangível... o golpe da morte sempre nos pega desprevenidos. É muito louco isso ter acontecido tão perto de onde eu morava (apenas duas estações de trem do meu bairro) e me tocou muito. Provavelmente cruzei com algumas dessas crianças ou mesmo o assassino Wellington nas minhas andanças pela Zona Oeste do Rio de janeiro.
Mas também é muito difícil pra mim cruzar os braços e não fazer absolutamente nada, nem dizer absolutamente nada em relação a isso. Como já disse em um poema meu há tempos, "a poesia não deixa", e nesse momento, menos ainda.
Antes de postar o poema, quero deixar claro que não é um incentivo aos suicidas, mas um aviso, uma advertência para que casos assim não ocorram tão cedo. Para que a cadeia de situações que leva a esse episódio de extrema violência seja quebrada em algum momento, antes que seja tarde demais.
A carta do homem-bomba
...dez
Cresci nomeio do nada
de afeto
não consigo mais chorar...
...nove
Pra que contato com essa gente
sem moral, mentirosa
humana demais.
Prefiro falar aos animais.
...oito
Meu corpo tem sensações demais
Não pode!
Meu pensamento tem idéias demais
Não pode!
Quero o amor! Meu sangue nas veias explode!
Não pode!
...sete
Não tenho a quem falar
Não me escutam, mas
um dia minha voz vai ressoar
como o trovão.
...seis ...cinco ...quatro
Passa o tempo e não posso mais viver
nessa casa,
nessa vida
nesse quarto em mim.
...três
Caiu a última lágrima
Não importa mais a vida
suas coisas, suas leis imundas
toda essa gente morimbunda
...dois, um
Agora eu posso mais.
Essa vida de pedra
sempre me disse o que fazer, o que falar
mas eu terei a última palavra
mesmo que seja
tarde demais
ZERØ
Marlos Drumond